segunda-feira, 3 de setembro de 2012

RELEITURA DO CAP. 10


Cap. 10 – Um beijo, um beijo, um beijo, uma lágrima

        - Não quero nem saber, de noite vamos os cinco numa boate! – grita Eloy.

        - Tudo bem, que seja feita vossa vontade! – completa, irônico, Camilo.

        Já era tarde e eles passaram o dia na casa do seu Mário tocando, ouvindo música, assistindo TV, ouvindo tão sábias palavras do “velho”. Gostaram daquele gaudério, até diziam que o bigode de seu Mário deveria estar junto no quadro.

Obviamente Aírton não não tocou, nem ouviu música, apenas conversou o dia todo, absolutamente o dia todo, com a linda garota. Por isso, optou por não sair à noite e ficar lá mesmo, iria dormir na casa do tio porque assim poderia passar mais tempo com a prima.

- Não quer mesmo ir? – pergunta Daniel, agora confidente dele.

- Não, cara, obrigado, divirtam-se.

E os quatro partem rumo à boate mais próxima dali. Desta vez, de táxi.

 

Enquanto isso, a muitos quilômetros dali, uma pessoa está inquieta, sentindo um aperto no coração, alguma coisa estranha. Fica tonta, a pressão baixa, ela chama os vizinhos. Não entende o que é, precisava logo desenhar o tal vestido de gala e não podia dar-se ao luxo de se sentir indisposta. “Coisa de mulher”, pensa.

 

Luzes vermelhas, verdes, azuis e amarelas, as caixas de som com uma potência incrível. Estão os quatro admirados. É que noEden Garden tem tudo, shopping, cinema e danceteria, mas com tamanho proporcional a um condomínio com três mil moradores.

- Que loucura! -  exclama Eloy.

Os demais apenas olham para os lados, quando de repente esbarra neles uma garota mais nova, devia ter uns doze anos, bonitinha e arrumada, cambaleando. Já tinha bebido um pouco além e agora ria mais alto, tropeçando com mais regularidade do que o normal.

- Eh, eh, desculpe. – fala enrolando a língua. – Algum de vocês te... tem fogo?

Eloy logo salta à frente e sugere que a engraçadinha menina o acompanhe. Ela obviamente nem pensa duas vezes, afinal Eloy era alto, esbelto e aqueles olhos azuis fulminantes logo encantaram a ninfeta.

Betina olha para Camilo. Pasma, quando Daniel comenta:

- Ora, ele está apenas fazendo aquilo que já fizeste por aqui.

Ela não gosta do comentário, senta-se em uma mesa com os garotos, e, em seguida, convida-os para dançar.

Camilo aceita, mas está preocupado com um cara bem mais velho, extremamente forte e musculoso, que até agora não tirou o olho de Betina, que está mais preocupada em saber como vai Eloy.

 

- Oi, espero não estar incomodando, - diz Aírton, ao bater à porta.

- Ora, ora, guri, vamos entrando. – é seu Mário. – Estamos mesmo precisando de mais um para jogar este negócio aqui!

Ele entra, cumprimenta timidamente Patrícia, que a cada segundo parecia mais bela. No lugar das roupas insinuantes e da pintura cuidadosa da noite anterior, uma simples camiseta e calça jeans, com o cabelo preso. Desta vez não era a produção que fazia de Pati uma deusa grega, e sim sua própria beleza, sua própria simplicidade. Aírton, porém, já está convencido de que não fora o belo cabelo levemente cacheado, nem a tez clara da menina e muito menos os olhos perolados que o tinham fascinado, e sim seu jeito, sua bondade, sua inteligência. “É especial”, pensa ele.

- Primo, sabe jogar este jogo? – pergunta Michelly.

Tu sabes, minha priminha?

- Sim.

- Então, acho que eu sei. Como se chama?

- Canastra.

- É, sei sim. – mente Aírton.

- Como a Michelli e o Aírton são ótimos mentirosos, vão jogar no mesmo time. – comenta Mário, sabendo que nem a garota e nem o sobrinho poderiam saber jogar tão complexo jogo.

- Bem, devo admitir que não sei... – confessa Aírton.

- Não faz mal, primo. – é Pati. – Vem cá, joga comigo.

A mulher a quilômetros de distância, que estava tonta da última vez que  a ela me referi, agora já se sente melhor e osso dizer que mora no Eden Garden. Olha pela janela, é noite, lembra-se então de telefonar para casa de uma amiga lá do outro lado do condomínio: “Meus filhos!”

 

O techino anima todos que estão na pista de dança, como Betina, Daniel e Camilo. Este último ainda está preocupado com o olhar insistente do adulto, e começa a suar frio quando ele se aproxima do grupo...

Não fala, não toca em ninguém, apenas se posiciona em frente a Betina e começa a dançar de uma forma... Bem, ele deve ser um assíduo frequentador destas boates. Aos poucos, envolve Betina e a leva mais para o canto da pista. Daniel é puxado por Camilo, que entende as intenções do rapaz:

- Mas, Camilo, ele tem uns trinta na cara!

- Minha mana gosta, relaxa. Acho que também vou ciscar por aí.

E está Daniel de novo sentado, perguntando-se o que tem de errado. Num canto, Eloy ri baixinho e fuma com sua ninfeta. No outro, Betina e o cara que tinha idade para ser seu pai. Na mesa à frente, Camilo conversa, “trova”, como se diz por aí, uma menina não menos engraçadinha do que a de Eloy.

Só que Daniel... bem, ele olha para o lado, e vê o beijo, para o outro, vê o beijo, para a frente, vê o beijo... Seu corpo arde de raiva ao fixar o pensamento em Betina: “Que galinha! Quantas bocas já não terás beijado!”

Deixa cair uma traiçoeira lágrima. De ódio. De ciúme. De medo.

 

- O quê, meus filhos não foram para tua casa, e nem o Aírton! Como? Onde estará minha menininha, como estará a Betina? E o Eloy? Meu Deus! – dão pela falta do quarteto, lá em São Paulo.

 

Se na danceteria Daniel chora, na casa de seu Mário, Aírton sorri. Brinca de jogar, na verdade aproveita aqueles  poucos minutos para compartilhar com Pati sua felicidade. Os quatro conversam quando seu Mário diz:

- Pois é, meu sobrinho, li ontem numa coluna de jornal, acho que era da Martha Medeiros, uma frase que define bem a Michelli.

- então diga, meu tio, porque nunca vi criança tão especial quanto sua filha.

- “Ela sabe que vida é o nosso brinquedo favorito. E está louca para aprender a jogar”. Só isso.

Aquelas palavras soam como um julgamento para Aírton. Ele sempre tivera tudo, jogos eletrônicos, a melhor raquete de tênis, viajara pela Europa e conhecia São Paulo, mas não sabia o que era felicidade; precisou vir até Porto Alegre, encontrar Daniel, apanhar na rua, jantar com o tio, conhecer uma prima e se apaixonar por outra para, finalmente, ouvir esta frase e descobrir indícios do que é felicidade: “A vida é o nosso brinquedo favorito e está louca para aprender a jogar!”

O relógio bate meia noite e Aírton diz que precisa ir. Na verdade ficaria muito tempo ali, mas o bom senso dizia que deveria voltar. Seu Mário, simpático como sempre, levanta-se, abraça o sobrinho e diz:

- Amanhã, guri, passa aqui para passear com tua prima. Mostra a ele o Marinha, Pati, tão perto daqui, tão bela vista, e aposto que ele, como a maioria dos porto-alegrenses, nem sabe o que é.

Ele sai, sorrindo. Ela abana, também sorrindo. Já sabe Aírton do que tratará o terceiro capítulo da aventura...

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