segunda-feira, 3 de setembro de 2012

RELEITURA DO CAP. 2


Cap. 2- Um vôo, uma cidade, um novo mundo

 

       Estava escuro, só o que iluminava a noite daquele dia eram as estrelas, as (ilusórias) cinco pontas das infinitas estrelas. O primeiro dia a chega no local combinado é Aírton, com seu laptop muita esperança e alegria no olhar. Depois vêm, discutindo como irmãos devem fazer para não perder o costume, Eloy, Camilo e Betina. O mais velho olha para Aírton, cerra os punhos, levanta a cabeça, respira fundo, fecha os olhos e, vencendo o orgulho, estende a mão, cumprimentando-o: Boa viagem.

       Começam a caminhar em direção ao helicóptero, em silêncio, porque o medo e a ansiedade parecem tomar conta de seus passos. A marcha em direção à liberdade deixava para trás não só casas e quintais, deixava um passado que jamais voltaria. Aírton olha para trás e arrisca algumas palavras: Vida nova!

       Todos sorriem, como para aliviar a tensão, e Eloy reproduz aquelas palavras com menos preocupação, gritando bem alto e gargalhando: Vida nova! Vida nova! Betina pede silêncio, para que não acorde os vizinhos. Calam-se por alguns instantes. Logo Aírton novamente quebra o silêncio:

       - Porto Alegre deve ser bom, não?

       - Pelo menos deve ser alegre. – responde Camilo.

       - Se tiver gatas por lá, para mim tá bom. – arrisca Eloy.

       - E gatos - completa Betina – Aliás, não perguntei se lá falam inglês, mano.

       - Eta burrice, não sabe que Porto Alegre ainda é Brasil!- responde Camilo.

       - Ah, é... Mas será que vou saber falar gaúcho?

       As gargalhadas não respondem a sua questão, mas evidenciam seu despreparo.

       Prosseguem caminhando em silêncio, mais três minutos e estariam no helicóptero. O homem os espera com as pupilas dilatadas em forma de cifrão, ansioso e com o veículo já preparado. Os passos dos quatro jovens são ritmados e em perfeita sincronia. Primeiro o pé direito, depois o esquerdo, o direito, o esquerdo, e todos na mesma passada.

       - Ele já está ali nos esperando – avisa Camilo, limpando na camiseta mesmo as lentes dos óculos, que haviam se sujado com o vento.

       - Então, vão fugir os pequeninos, não?

       O ar irônico do piloto embaraça Camilo, que não consegue falar nada. Betina olha para Aírton, como se cobrando uma resposta.

       - Não, na verdade não vamos fugir, estamos apenas indo passar umas férias no Sul. “Eis uma boa desculpa”, pensa Eloy.

       Acomodaram-se no helicóptero e o pior foi o barulhão da decolagem e o nervosismo provocado pelo medo de que soubessem quem estava decolando. O piloto notou, fez questão de demorar mais, ajeitar mil vezes o capacete. Divertia-se ao ver os jovens perdidos. Durante os minutos de voo, nenhuma palavra, nada. Chegam em Curitiba e o piloto, com aquele mesmo ar cafajeste de antes, avisa:

       - Vocês devem esperar amanhecer, para ir à rodoviária. E custou mil reais.

       - O quê? – quando se trata de dinheiro, Camilo sempre salta na frente: _ Não eram quinhentos?

       - Bem, mas sabe como é, meu jovem, o sigilo às vezes sai mais caro do que a gasolina...

       - Dê logo o dinheiro para ele! – Eloy começa a irritar-se.

       O mais novo obedece. A propósito, Camilo tem dezesseis anos e é bastante ambicioso. Por vezes, sua cultura toda é desperdiçada pela ambição. Era o tesoureiro da viagem e o responsável pelo plano de fuga.

       Descem do helicóptero, vão para a rua e pegam um táxi. Isso Aírton sabia fazer, não é a toa que o escolheram para vir junto. Quando chegam à rodoviária resolvem se sentar em um bar enquanto Camilo compra as passagens. Estão todos  encolhidos, com frio. Volta preocupado, o “tesoureiro”.

       - Que foi? – indaga

       - Não tem bus para Porto Alegre? – pergunta Eloy.

       - Nada disso, as passagens estão aqui. – Camilo distribui alguns papéis. – O problema é que acho que vai faltar dinheiro. Temos agora apenas oito mil trezentos e vinte reais.

       Eloy ri, sorri, se contorce todo.

       Não é motivo de piada, Eloy!

       Então o primogênito da família Albuquerque Ferreira tira do bolso um maço de notas de cem reais e diz:

       - Aqui tem mais dez mil.

       Todos pasmam, se entreolham, não entendem . De onde ele tirou esse dinheiro?

       - Mas mano, como conseguiu – pergunta Betina.

       A pergunta certa agora não é essa, maninha. A pergunta certa é quanto custa aquele cachorro-quente porque estou morrendo de fome.

 

       Finalmente, depois de um longo período de espera, o ônibus vindo de Brasília e Ribeirão Preto, passando por ali com destino a Florianópolis e Porto Alegre, estaciona no box previsto.

       Os quatro saltam à frente e procuram seus lugares. Estão dispostos de um modo que possam ver um ao outro e trocar idéias durante a viagem.

       Na janela, Betina admira as pessoas que passam para lá e para cá. Na outra janela, Camilo observa que alguns velhos dormem sobre as rampas. Eloy já ligara o seu walkman com Raimundos a todo o volume. Aírton pensou em pegar seu livro, mas, com medo de ser recriminado pelos demais, resolveu apenas deitar sua poltrona e pensar, fingindo dormir.

       Viajaram até os primeiros quilômetros de Santa Catarina sem trocar uma palavra, apenas admirando o céu, o sol e o sul, até que Betina resolveu perguntar:

       - Como é seu tio, qual o nome dele?

       - Não sei bem. – diz Aírton. – Eu o vi da última vez no Natal passado e, mesmo assim, no dia seguinte, ele e o pai trocaram socos e pontapés, a mãe o expulsou de casa  e nunca mais se falaram. Ele me pareceu um senhor muito legal! Tem uns sessenta anos, cabelos grisalhos e um bigode, também grisalho. Parece que dá aula de História e é muito famoso nos cursinhos de lá. Só não me perguntem o que é cursinho! Ah, o nome dele é Mário.

       - Que mais? – pergunta Eloy, seco como sempre.

       - Bem, ele tem duas filhas, uma de quinze e outra de oito anos. Educa-as, pelo que me escreve a Pati, a mais velha, muito bem. A esposa o abandonou há uns três anos e está morando fora do país com um gringo rico que prometeu mundos e fundos para ela. Hoje meu tio se sustenta dessas aulas que dá no cursinho e alugando apartamentos; ele tem um prédio com seis apartamentos só dele.

       - Num desses que vamos ficar? – indaga Camilo.

       - É, mandei um e-mail e ele adotou a idéia de irmos para sua casa. Tem um apartamento bem acima do dele só para hóspedes. Vamos ficar lá. Só que, prestem atenção, eu disse que estamos em férias e que nossos pais estão ali no Litoral.

       O ônibus freia bruscamente, o motorista de um carro xinga o motorista do ônibus. Todos ficam em silêncio, especialmente os jovens, um pouco assustados com a grosseria e a força das palavras dos motoristas.

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