Cap. 2- Um vôo, uma cidade, um
novo mundo
Estava escuro, só o que iluminava a noite
daquele dia eram as estrelas, as (ilusórias) cinco pontas das infinitas
estrelas. O primeiro dia a chega no local combinado é Aírton, com seu laptop
muita esperança e alegria no olhar. Depois vêm, discutindo como irmãos devem
fazer para não perder o costume, Eloy, Camilo e Betina. O mais velho olha para
Aírton, cerra os punhos, levanta a cabeça, respira fundo, fecha os olhos e,
vencendo o orgulho, estende a mão, cumprimentando-o: Boa viagem.
Começam a caminhar em direção ao
helicóptero, em silêncio, porque o medo e a ansiedade parecem tomar conta de
seus passos. A marcha em direção à liberdade deixava para trás não só casas e
quintais, deixava um passado que jamais voltaria. Aírton olha para trás e
arrisca algumas palavras: Vida nova!
Todos sorriem, como para aliviar a
tensão, e Eloy reproduz aquelas palavras com menos preocupação, gritando bem
alto e gargalhando: Vida nova! Vida nova! Betina pede silêncio, para que não acorde
os vizinhos. Calam-se por alguns instantes. Logo Aírton novamente quebra o
silêncio:
- Porto Alegre deve ser bom, não?
- Pelo menos deve ser alegre. – responde
Camilo.
- Se tiver gatas por lá, para mim tá bom.
– arrisca Eloy.
- E gatos - completa Betina – Aliás, não
perguntei se lá falam inglês, mano.
- Eta burrice, não sabe que Porto Alegre
ainda é Brasil!- responde Camilo.
- Ah, é... Mas será que vou saber falar
gaúcho?
As gargalhadas não respondem a sua
questão, mas evidenciam seu despreparo.
Prosseguem caminhando em silêncio, mais
três minutos e estariam no helicóptero. O homem os espera com as pupilas
dilatadas em forma de cifrão, ansioso e com o veículo já preparado. Os passos
dos quatro jovens são ritmados e em perfeita sincronia. Primeiro o pé direito,
depois o esquerdo, o direito, o esquerdo, e todos na mesma passada.
- Ele já está ali nos esperando – avisa
Camilo, limpando na camiseta mesmo as lentes dos óculos, que haviam se sujado
com o vento.
- Então, vão fugir os pequeninos, não?
O ar irônico do piloto embaraça Camilo,
que não consegue falar nada. Betina olha para Aírton, como se cobrando uma
resposta.
- Não, na verdade não vamos fugir,
estamos apenas indo passar umas férias no Sul. “Eis uma boa desculpa”, pensa
Eloy.
Acomodaram-se no helicóptero e o pior foi
o barulhão da decolagem e o nervosismo provocado pelo medo de que soubessem
quem estava decolando. O piloto notou, fez questão de demorar mais, ajeitar mil
vezes o capacete. Divertia-se ao ver os jovens perdidos. Durante os minutos de
voo, nenhuma palavra, nada. Chegam em Curitiba e o piloto, com aquele mesmo ar
cafajeste de antes, avisa:
- Vocês devem esperar amanhecer, para ir
à rodoviária. E custou mil reais.
- O quê? – quando se trata de dinheiro,
Camilo sempre salta na frente: _ Não eram quinhentos?
- Bem, mas sabe como é, meu jovem, o
sigilo às vezes sai mais caro do que a gasolina...
- Dê logo o dinheiro para ele! – Eloy
começa a irritar-se.
O mais novo obedece. A propósito, Camilo
tem dezesseis anos e é bastante ambicioso. Por vezes, sua cultura toda é
desperdiçada pela ambição. Era o tesoureiro da viagem e o responsável pelo
plano de fuga.
Descem do helicóptero, vão para a rua e
pegam um táxi. Isso Aírton sabia fazer, não é a toa que o escolheram para vir
junto. Quando chegam à rodoviária resolvem se sentar em um bar enquanto Camilo
compra as passagens. Estão todos
encolhidos, com frio. Volta preocupado, o “tesoureiro”.
- Que foi? – indaga
- Não tem bus para Porto Alegre? –
pergunta Eloy.
- Nada disso, as passagens estão aqui. –
Camilo distribui alguns papéis. – O problema é que acho que vai faltar
dinheiro. Temos agora apenas oito mil trezentos e vinte reais.
Eloy ri, sorri, se contorce todo.
Não é motivo de piada, Eloy!
Então o primogênito da família Albuquerque
Ferreira tira do bolso um maço de notas de cem reais e diz:
- Aqui tem mais dez mil.
Todos pasmam, se entreolham, não entendem
. De onde ele tirou esse dinheiro?
- Mas mano, como conseguiu – pergunta
Betina.
A pergunta certa agora não é essa, maninha.
A pergunta certa é quanto custa aquele cachorro-quente porque estou morrendo de
fome.
Finalmente, depois de um longo período de
espera, o ônibus vindo de Brasília e Ribeirão Preto, passando por ali com
destino a Florianópolis e Porto Alegre, estaciona no box previsto.
Os quatro saltam à frente e procuram seus
lugares. Estão dispostos de um modo que possam ver um ao outro e trocar idéias
durante a viagem.
Na janela, Betina admira as pessoas que
passam para lá e para cá. Na outra janela, Camilo observa que alguns velhos
dormem sobre as rampas. Eloy já ligara o seu walkman com Raimundos a todo o
volume. Aírton pensou em pegar seu livro, mas, com medo de ser recriminado
pelos demais, resolveu apenas deitar sua poltrona e pensar, fingindo dormir.
Viajaram até os primeiros quilômetros de
Santa Catarina sem trocar uma palavra, apenas admirando o céu, o sol e o sul,
até que Betina resolveu perguntar:
- Como é seu tio, qual o nome dele?
- Não sei bem. – diz Aírton. – Eu o vi da
última vez no Natal passado e, mesmo assim, no dia seguinte, ele e o pai
trocaram socos e pontapés, a mãe o expulsou de casa e nunca mais se falaram. Ele me pareceu um
senhor muito legal! Tem uns sessenta anos, cabelos grisalhos e um bigode,
também grisalho. Parece que dá aula de História e é muito famoso nos cursinhos
de lá. Só não me perguntem o que é cursinho! Ah, o nome dele é Mário.
- Que mais? – pergunta Eloy, seco como
sempre.
- Bem, ele tem duas filhas, uma de quinze
e outra de oito anos. Educa-as, pelo que me escreve a Pati, a mais velha, muito
bem. A esposa o abandonou há uns três anos e está morando fora do país com um
gringo rico que prometeu mundos e fundos para ela. Hoje meu tio se sustenta
dessas aulas que dá no cursinho e alugando apartamentos; ele tem um prédio com
seis apartamentos só dele.
- Num desses que vamos ficar? – indaga
Camilo.
- É, mandei um e-mail e ele adotou a
idéia de irmos para sua casa. Tem um apartamento bem acima do dele só para
hóspedes. Vamos ficar lá. Só que, prestem atenção, eu disse que estamos em
férias e que nossos pais estão ali no Litoral.
O ônibus freia bruscamente, o motorista
de um carro xinga o motorista do ônibus. Todos ficam em silêncio, especialmente
os jovens, um pouco assustados com a grosseria e a força das palavras dos motoristas.
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