segunda-feira, 3 de setembro de 2012

RELEITURA DO CAP. 11


Cap. 11- Uma frase, um passeio, um parque

 

O apartamento está em profundo silêncio, são cinco e meia da manhã, Aírton dorme como um anjo e sonha  com sua fada, Pati. Ele sonha com um passeio, ao lado da menina, por um lugar belíssimo, cheio de árvores, estão de mãos dadas. De repente, descobre que é o mesmo lugar do outro sonho! Tenta fugir, tem medo, mas Pati pede para que fique e ouça a voz de seu interior. Aparece a luz azul forte de novo e de dentro dela sai o mesmo homem. Parece confuso, mas ele diz: “Aírton, não se desvirtue pelo medo e nem se deixe levar pelo arrependimento, as consequências podem...”

        Neste exato momento, ele desperta, assustado. Dá um pulo da cama, reclamando do barulho. São Daniel, Eloy, Betina e Camilo que chegam. Betina, completamente tonta, sentindo-se uma princesa. Eloy, fedendo a cigarro, mas também muito feliz. Camilo não tão contente, apenas um pouco “alegre”. Daniel não fala nada, toma banho e prepara-se para se deitar, quando ouve de Betina.

        - Que foi, Dâni, por que não ficou com ninguém?

        Aírton está deitado, mas ouve tudo de lá.

        - Não gosto... – responde Daniel.

        - É bicha? – pergunta, soltando uma despreocupada gargalhada, Betina.

        - Como assim?

        - Desculpe, Daniel. – é Camilo ainda enrolando a língua. – Minha irmã fica assim depois de noites como essa. Mas diga, nunca ficou?

        - Er, nã... não...

        Para Betina e Camilo, aquilo era impossível. Desconhecer o gosto do beijo, o gosto do prazer com quase quinze anos de idade! Impossível. Entreolham-se. Aírton teme o que virá depois. Eloy já esperava e grita de onde está:

        - Mostra para ele como se faz, Betina!

        Daniel, do sofá, treme, sua frio. Camilo está tão tonto quanto a garota ou mais. Uma expectativa no ar.

        Como pode os jovens serem até hoje guiados pelas normas sociais, pelo modismo? Têm de ir a boates, ficar até tal idade, caso contrário, são caretas. Ou bichas!

        Betina, menina despreocupada, não sabia nada de amor e felicidade, só sabia era gozar dos prazeres da vida. Para ela, um beijo não representava mais do que um bom cheeseburger do  Mc Donald’s. Para ela, o que valia era quem estava sendo beijado, e não por quê.

        Naquele momento, Daniel sentia-se perdido, imóvel, chegou a desejar estar na rodoviária de volta. Só que era tarde, e Betina chega mais e mais perto dele, imobiliza seus braços com suas unhas afiadas e bem-pintadas, aproxima sua face da dele... e o beija.

        Daniel não faz movimento algum. Na verdade, não gosta daquele bafo de bebida que impregna o hálito da garota. Afasta-a, sente nojo quando pensa no “skatista” e no cara  da boate. Ela o olha, está fora de si. Eloy e Camilo aplaudem, perguntam se Daniel gostou, ao que ele responde apenas se virando de lado e chorando.

        Não era isso que sonhava o ex-menino de rua. Lutara tanto contra as prostitutas que disputavam as ruas com ele e seus amigos, reprimira tanto a bebida que tinha destruído sua família, tinha nojo de tudo isso e, de repente, a garota que ele sinceramente amava desrespeitava e destruía todos os seus sonhos, seus valores e seu passado. Não sabia Betina quem era e quem fora Daniel. Não sabia Betina que o menino jamais beijara alguém, mas muito já lutara na rua por uma nota de um real, muito já cheirara cola para não precisar comer durante o dia. Não sabia nada, Betina!

        No quarto, Aírton já tomara consciência de muitas coisas e agora chorava, ainda mais do que Daniel. Ele lembra-se das sábias palavras do seu tio, do rosto angelical da Pati. Aírton já “ficara” duas vezes, mas não achava importante  esse número, a quantidade. Namorara gaotas de que pensava gostar. Claro que agora, diante da prima, elas pareciam tolas.

        Só que Aírton chorava, soluçava silenciosamente. Não por si, e sim porque sabe o quanto Betina, Eloy e talvez Camilo e Daniel estavam desperdiçando, ao viver a vida dessa forma. O problema  não era “ficar”, não era beber ou fumar. O problema era que “a vida é como um brinquedo”. E deveria ser jogada com alegria.

        “Os anos para mim até agora passaram para eles ainda hoje passam, mas, desde que aqui cheguei, para mim os dias acontecem, os dias vivem, pulsam e choram comigo”, pensa Aírton.

       

        A senhora Stephanie, na verdade este era o nome artístico de Laura Maria, está morrendo de preocupação por causa dos filhos. Onde estará Betina? Como estará tão desprotegida menina agora? A mãe de Aírton não dá tanta importância, pensa que ele pode ter fugido para a Europa, de que gostava tanto, mas que logo voltaria.

        Dona Stephanie, porém, sabe o que sentiu quando apareceu nesta história, e também admite ser coisa de mulher: era intuição. Seus filhos, se ainda não estivessem passando, passariam por muitas dificuldades...

 

        Aírton é o primeiro a levantar-se. Duas horas depois levantam-se Daniel, Betina, mais tarde Eloy e, por fim, Camilo. Eles se sentam na cozinha, comem alguma coisa, já são onze horas. Querem saber o que fazer... Aírton lembra-se do passeio que dará com Patrícia e, educadamente, convida seus amigos.

        Daniel está mais melancólico e triste do que em seus dias de pobreza e miséria. É que antes lutava contra algo concreto e aspirava apenas a dinheiro e comida, a um cobertor e um teto. Agora luta contra si mesmo, contra seus próprios sentimentos e aspira ao amor, ao amor de uma menina fútil que lhe usara há poucas horas, dando-lhe um beijo nojento.

        Betina, porém, depois do beijo que dera em Daniel e da reação do amigo, ficou extremamente chateada e, por algum motivo que não decifrara, tinha chorado a noite inteira. Acordou com os olhos inchados.

        Camilo gostou da idéia de ir ao parque, porque precisava vender de novo tais refrigerantes. Eloy também aprovou, porque queria rever seus “amigos”. Aírton é que logo se arrependeu do convite.

        O relógio batia duas da tarde e Pati, vestida com traje esporte, cabelo preso e camiseta do seu time de futebol do coração chega ao apartamento do primo. Todos já estavam esperando. Ela olha, como se desgostando da idéia de levar os demais, só que não comenta nada e vão em silêncio. O parque era perto, dava para ir a pé.

        No caminho, o inesperado: Daniel e Aírton se olham apreensivos, é que Betina e Patrícia estão juntas, lado a lado, e inevitavelmente precisam conversar:

        - Oi, garota...

        - Oi. – Patrícia teme Betina, mas não sab por quê.

        - Vocês aqui são tão quietinhas...

        - Nem todas, talvez eu.

        - Pois é.

        Depois de algumas frases de conhecimento, Betina resolve se abrir.

        - Olhe, preciso conversar com uma amiga, mas as minhas estão a uma hora de avião e setecentas de ônibus daqui.

        - Fala.

        - É que ontem fiquei com o cara mais lindo e musculoso do mundo, uma loucura, o beijo dele faz qualquer pessoa da nossa idade se sentir mais mulher. – Pati se incomoda com aqueles comentários, mas prossegue ouvindo. – Entretanto, depois que chegamos em casa, eu fiz uma burrada. – Betina baixa a cabeça.

        - O quê?

        - Bem, eu fiquei com pena do Daniel porque ele nunca tinha ficado” e dei um beijo nele.

        - Nossa!

        - Fiz bem?

        - É, quer dizer, acho que não... Mas, e ele?

        - Acho que não gostou. Onde foi que eu errei! Falta treinamento, será?

        - E, tu sabes por que ele não gostou? – pergunta maliciosamente Pati. Betina não gosta e se afasta, fingindo que precisa falar com o irmão mais velho. Patrícia também sai e pede licença para Aírton para falar a sós com Daniel.

        - Fiquei sabendo do que ela fez ontem.

        - Vocês são todas iguais!

        - Não, acho que nós somos iguais, tu e eu.

        - Como assim?

        - Também nunca “fiquei”, como dizem eles. Na verdade, isso para mim significa que não encontrei um amor verdadeiro, e não que nunca beijei quaisquer lábios que se dispusessem. Não se preocupe, Daniel, és normal, apenas queres amar enquanto os outros querem gozar.

        - E por que não sou diferente? Sofro tanto agora!

        - Saibas que Betina sofre ainda mais. Sofre por sentir falta de alguma coisa e sofre porque não consegue descobrir o que é isso. Tu sofres só por sentir falta... E mais: és diferente, porque descobriste, antes do gosto do beijo, o gosto do amor.

        Caminham mais  um tempo sem falar sobre assuntos sérios, digamos assim.

 

        Chegando ao parque, Camilo, Camilo despede-se do restante do grupo e vai ganhar dinheiro, literalmente a qualquer custo. Eloy também sai, quando avista um dos amigos que conhecera no outro dia.

        - Tem fogo?

        Aírton, Patrícia, Daniel e Betina estão sozinhos. Passeiam despreocupados pelo parque, olham para todos os lados, querem conhecer tudo. Os lagos, as árvores, até os pobres estirados no chão, como se denunciando a pobreza dum país desigual, fascinam aqueles olhos virgens.

        Os olhos dos moradores do Eden Garden não conhecem além da realidade de suas janelas. E agora ali estava Daniel para mostrar o que era pobreza e ali estava Patrícia para mostrar o que era amor.

        Betina também mudara com a presença dos dois. Patrícia representava a feminilidade, o romantismo, enquanto Daniel... bem, não poderia ser verdade.

        Caminham mais um pouco e os garotos oferecem um sorvete para as garotas. Ambas topam, e enquanto apreciam tão doce sabor de chocolate, Betina afasta-se com Daniel. Percebera o “clima” entre os outros dois.

        Daniel, porém, ainda está apático e melancólico. Betina apenas observa tamanha frieza com certo medo; que mal ela teria feito? Aírton olha fixamente para Patrícia. Vê na menina todo o carinho de que tanto precisava. Seu rosto e seus lábios bem-desenhados, seus dedos pequeninos, seu olhar doce e suave, sua voz, seu cheiro... Apaixonou-se por uma menina que parecia uma fada. Um anjo. E acaba fazendo o inevitável, ainda que precipitadamente:

        - Quer namorar comigo?

        O mundo de Pati deu voltas e mais voltas naquele segundo. Ela se lembrou da infância, da irmã, do pai, das cartas inocentes que enviava ao primo, do jovem sedutor que ele se tornou, do jantar, dos seus olhos, do seu olhar e, finalmente, do seu pedido. E do seu parentesco.

        - É que, primo, somos,,, Bem... somos primos!

        - Eu sei, mas te amo tanto. Não me lembro do que há neste parque, nem dos lagos e nem do sol, porque só tenho olhos para você!

        - Não sei... preciso... bem... de um tempo. – Os três pontos evidenciam a falta de segurança na voz da menina.

        Aírton não fala nada. Apenas se retira para pôr fora o palito de picolé. Olha decepcionado para a menina, que tenta consolá-lo.

        - Eu gosto muito de ti, mas... somos, além de parentes, muito... novos.

        Patrícia estava tão apaixonada quanto Aírton, mas as mulheres (algumas) têm alguma coisa que as faz mais temerosas. Ou será cautelosas? Na verdade, ele seria o próximo namorado de Pati, em vez de viver o presente, ela preferiu pensar no futuro. Aírton ficou inconsolável e tristonho. Abatido, mesmo.

        Quase que ao mesmo tempo, como se um cupido tivesse errado a flecha nos dois pombinhos e acertado em Daniel e Betina, ela pergunta para o garoto o que ele tem.

        Daniel, muito apático, não responde, permanece em silêncio. Betina insiste, olha fixamente em seus olhos, puxa o rosto dele para perto do seu. Daniel tenta fugir, mas Betina pergunta mais e mais o motivo de tanto distanciamento, tanta tristeza! Ele, enfim, cantarola alguns versos: “Às vezes você me pergunta/ por que é que sou tão calado/ não falo de amor quase nada/ nem fico sorrindo ao seu lado...”

        Betina estava tão apaixonada quanto Daniel, mas os homens (alguns) têm alguma coisa que os faz um tanto vingativos. Ou seria orgulhoso? Na verdade, ela seria a primeira namorada de Daniel e, em vez de viver o presente, ele preferiu pensar no passado e agarrar-se a capítulos anteriores desta história. Afastou-se um pouco Betina ficou inconsolável e tristonha. Mais ainda do que Aírton, porque não entendia o que acontecia com ela.

        Só que passaram-se alguns minutos, o sol aliviava sua intensidade, o clima entre o quarteto pesava, até que...

        - Betina!

 

        “Como estará minha filhinha, como estará?”, está evidente que dona Stephanie, enquanto movimenta toda a polícia da capital, mais se preocupa com a filha do que com os outros dois. Será, de novo, intuição?

 

        É o mesmo “skatista” da estátua quem chama Betina. Daniel sai, Aírton e Patrícia vão atrás dele, pressentindo a mágoa do garoto. Só que não demora nem duas palavras para Betina voltar ao que seria normal, deixar de lado o romantismo bobo, a relação utópica com Daniel e jogar-se nos braços do ilustre e “gostoso” desconhecido.

        Patrícia tenta falar com Daniel, já que Aírton não lhe dirigia mais nem uma sílaba, só que o garoto ainda parece em transe, e continua cantarolando.

 

        Eloy passeava despreocupado quando topou com Camilo. E o que fazia o irmão?

        - Pois é, mano, dá para ganhar uma grana. Próximo!

        Camilo comprara umas roupas de uma cigana e agora dizia prever o futuro das pessoas através da folha de uma palmeira especial.

        Eloy sai, rindo e com o cigarro aceso. Ah, e com o peito descoberto sendo apalpado pela mesma garota para quem ele sorrira na primeira visita ao parque.

 

        Pati sugere que eles vão para casa. Topam. Avisam Betina e saem vagarosamente do parque. As pedras, antes tão fortes, agora parecem ínfimas; o lago, antes tão azul, parece uma poça de lágrimas e o sol parece arder em chamas.

        Como é estranha a juventude, de uma hora para outra deixamos de estar alegres e saltitantes e passamos a nos sentir os últimos da face da Terra. Por quê? Por que tudo isso? Será que Aírton e Daniel sentiam-se tão mal só por causa do “fora” que levaram? Mas Pati nem havia tirado as esperanças de Aírton!

        Na verdade, o jovem transforma seus amores em paixões e, com elas, escondem os seus reais problemas. Aírton escondeu a saudade de casa e o arrependimento de ter fugido, de ter confiado em tão alienados amigos. Daniel escondeu o medo de voltar e ser pobre e miserável, escondeu o passado e a fúria. Agora, vinha tudo à tona, e Pati no meio daquela confusão psicológica.

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