Cap. 5- Um despertar, um novo dia,
uma nova descoberta.
Alguém bate à porta. Insiste, bate mais
forte!
- Quem é? – pergunta Daniel, ainda
deitado.
- Acorda, guri, já é quase uma da tarde.
Que barbaridade! - é seu Mário quem responde.
Eles, e aos poucos, vão se levantando e
se espreguiçando neste primeiro dia de vida nova. De liberdade, como dizem. De
felicidade, como pensavam que seria.
Quando já estão razoavelmente prontos e
o estômago começa a reclamar, Aírton se lembra de que precisam fazer alguma coisa.
- E agora? – pergunta.
- Pois é, e agora? – pergunta Betina.
Os quatro aventureiros pensaram que
viver fora do Eden Garden era fácil, que não era preciso fazer nada, que as
coisas aconteceriam tão rapidamente que não daria nem tempo de pensar. Enganaram-se.
- O que sugere, Daniel? – pergunta um
deles.
- Olha, aqui em Porto Alegre eu conheço
um lugar, chamam de shopping, bem legal. Eu acho, porque não me deixavam
entrar, mas agora, com esta pinta... Lá dá para comer e comprar roupa,
revista...
- Tem perfume? E gato, tem?- pergunta
Betina.
- Tem o CD novo do Metálica? – quer
saber Eloy.
- É caro chegar lá? Pergunta Camilo.
- Não, podemos ir de táxi e sai uns dez
pila, ou a pé e levar cerca de meia hora ou então de ônib...
Ele nem completa e os demais já
reclamam. Não aguentavam mais andar de ônibus!
- Vamos de táxi.
- Nossa, isso aqui parece o shopping do Eden Garden. Mas dez vezes
maior! – diz Betina, entusiasmada.
- Eu já fui num destes, lá em Sampa –
lembra Aírton.
- Vamos comer, tô com fome – diz Eloy.
Vão até a praça de alimentação. Betina
pede para Camilo:
- Quero aquele negócio... “sanduba”! É
isso, né, Daniel?
- Eu quero pastel
- E eu, pizza!
- E eu, um bom suco!
- E sorvete!
Todos berram desordenadamente, até que
Camilo pergunta:
- Para quem vocês estão pedindo? Vão lá,
façam por vocês mesmos. Se quer um “sanduba”, descubra o que é e compre. Não
espere que façam isso por você! Se quer pizza, vai lá e compra!
Os jovens têm de aprender a não esperar
que façam por eles, que o professor diga o que aprender, que o amiga diga o que
vestir, têm que fazer por si mesmos.
Eles não entendem bem, mas vão lá, pedem
e comem! Entre uma mordida e outra olham para os lados, impressionados com o
tipo de gente, até que Betina resolve perguntar:
- Daniel, o que são aqueles moços ali?
Pegaram sol demais? Deveriam ir ao médico! Estão que nem o motorista do nosso
ônibus!
Daniel apenas sorri, não mais ri de tão
bela moça, mesmo que dela saiam tantos absurdos! Pacientemente, responde.
- É que vocês não devem conhecer, não
deviam existir destes lá no tal Garden... São negros, pessoas de outra cor,
gente como a gente, mas com uma cor de pele diferente. Por exemplo, tu tens
cabelo loiro, eu tenho cabelo escuro! Nós temos pele clara e eles têm pele escura!
Betina entende. Na verdade, há gente que
até hoje não entendeu isso e não podemos cobrar de nossa personagem que entenda
assim facilmente.
- Ah, claro. Já ouvi falar de negros no
colégio, os escravos...
- Não, não! Os negros foram escravos até
o século XIX. Hoje não são mais. – retruca Aírton.
Não havia negros, nem judeus, nem
sertanejos no Eden Garden. Só entravam bancos de “boa família” e com sobrenome.
Passeiam pelo shopping. Camilo, Aírton, Betina e Eloy estão fascinados, olham
tudo, querem saber de tudo.
Divertem-se ouvindo CDs, compram vários,
experimentam roupas, de todos os tipos, desde o estilo “skatista” até ternos.
Ouvem um senhor tocando piano, pagam para que façam suas caricaturas, riem.
O cartunista é o que mais lhes chama a
atenção, pela precisão. Resolvem pedir que faça um quadro deles. O artista
reclama que não pode desenhar os cinco de corpo inteiro, então Camilo sugere
que ele faça apenas o rosto. Só que nem Eloy, nem Betina querem esperar, e
então Camilo promete pagar o dobro ao cartunista se ele fizer o quadro “mais
perfeito de sua vida” e entregar na casa deles. Dá o endereço do seu Mário. E
esse quadro mais tarde vai fazer história...
Ainda perambulam pelos corredores, vão ao cinema. Já conheciam o que era cinema,
mas precisavam ir a um desses daqui. Comem de novo, jantam. Já são quase sete
horas e eles permanecem esquecidos do tempo, apenas admirando vitrinas e
pessoas. Betina até já conseguira o telefone de um garoto. Eloy, de uma garota.
Camilo e Aírton eram mais reservados. Daniel não entendia nada disso.
Abarrotados de sacolas, resolveram
voltar para casa, prometendo que no outro dia voltaria na mesma hora para ver o
que ainda tinha faltado.
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