segunda-feira, 3 de setembro de 2012

RELEITURA DO CAP. 9


Cap. 9. Um convite, um abraço, uma história de amor

        - Primo, priminho...

        Michelli vai entrando apartamento adentro, mas quando vê Eloy estirado no sofá, olhando televisão, dá dois passos para trás e muda suas feições completamente. Enche-se de medo. O mais velho diz:

        - Ei, ei menininha, eu não mordo! Venha cá, fale...

        Ela volta, mas ainda muito assustada:

        - Que... que... quero falar com Aírton.

        - Entre!

        Eloy não era ruim. Ele ajeita-se e grita pelo outro. Convida a menina a entrar, esta ainda tremendo de medo.

        - como se chama a doce donzela? – pergunta.

        - Michelli... – responde, hesitante.

        - Priminha, tudo bem? ? – é Aírton que sai do quarto, onde escrevia no seu laptop o primeiro capítulo daquela fascinante aventura.

        - Tu... tu... tudo. – ainda está amedrontada. – Só vim te lembrar que o quadro ainda está lá em casa.  Mas o papai disse que só devolve se vocês forem jantar lá hoje de noite. Os cinco.

        - É... bem...

        - Tchau! – sai, como uma flecha, a menina.

        Aírton vira-se para Eloy, que apenas responde com os ombros, como se perguntasse se tem alguma alternativa. Betina reluta, mas o irmão mais velho a convence. Daniel está tristonho, mas aceita o convite. Camilo adora a idéia e pensa que pode revelar no jantar o seu grande triunfo daquela tarde!

        Aprontam-se, vestem roupas elegantes, Betina um vestido preto que deixa suas curvas tão desejadas ainda mais esbeltas. Daniel é o mais abatido e apático, vê agora na garota não (só) uma linda mulher, e sim um símbolo das chamas e do desejo. Eloy apronta-se como pode, Camilo pergunta se não devem esconder o olho roxo e Aírton apenas sorri enquanto fala:

        - Ele já sabe que andamos brigando. Meu tio é esperto... Muito, até!

        Descem lentamente as escadas. Mal Aírton encosta na campainha e Michelli já abre a porta, sorridente e arrumada como adulta, sem perder seu costumaz e especial jeito moleque de ser.

        - Oi, primo!

        Entram por ordem Aírton, depois Eloy, Camilo, Betina e, por último, Daniel. O sobrinho de seu Mário apresenta-os um a um, mas omite o fato de Daniel não ser do Eden Garden. Diz apenas que é um amigo seu lá de Sampa.

        - E onde está minha outra prima, a Pati? – pergunta ansioso, Aírton.

        - Conheces bem as prendas destes campos! Está se arrumando e já vem – dirige-se aos demais – E vocês? Querem ouvir um pouco das aulas de História? Brincadeira... vá lá, digam, estão gostando daqui?

        - Sim...

        - É...

        - Nada mal...

        - Por que não...

        Diante de tão mornas respostas, seu Mário se levanta, vai até o quarto e volta com um violão debaixo do braço. Pede que Michelli traga o bumbo, a menina manja aquele negócio, e fala alguma coisa ao grupo, completando assim:

        - Por isso gosto tanto desta canção, é o símbolo deste povo gaudério.

         Todos estão atônitos diante da energia do “velho”, ainda mais depois de tão lindo dedilhado introdutório e de tão delicada percussão de Michelli. Cantarola, então com a voz firme do “bom gaúcho”.

        Eu quero caminhar nos campos

        sentindo as coxilhas

        das ervas do rio...

       

        Aplaudem no final, mas ainda muito timidamente.

        - Do que vocês gostam? – pergunta Mário. – Este bigode aqui não me deixa conhecer muita coisa a mais do que a boa gaita...

        Betina é mais extrovertida:

        - Toca Lulu Santos, toca...

        - Vamos lá, então. Michi, bem forte. – E, seguindo a batida ritmada da menina, Mário começa a tocar e cantar em perfeita sincronia:

 

        Nada do que foi será

        de novo do jeito que já foi um dia

        tudo passa

        tudo sempre

        passará...

 

        - É com vocês! – diz Mário.

        Aos poucos o grupo vai se soltando e, no final, já estão todos desinibidos e gritando bem alto: “Como uma onda no mar”.

        - Bravo, bravo! – aplaude Mário. – Mas ainda tá baixo, tá baixo!

        Permanecem  ali mais algum tempo, Mário a tocar, Michelli dando um show à parte ao fazer de tão delicados dedos e de tão pura infância uma parte da alma da música. Estão a interpretar Caetano Veloso.

 

        Você é linda

        mais que demais

        você é linda, sim.

 

        Cantavam os sete quando de repente uma oitava e mais suave, mais doce, mais potente e mais feminina voz ressoa do quarto ao lado.

 

        Esta canção

        é só para dizer

        e diz.

 

        Aplaudem e sai do quarto Pati, a tão aguardada prima de Aírton.

        - Gurizada, - salta seu Mário pondo o violão de lado. – apresento a guria mais cobiçada do pedaço, Patrícia.

        Realmente, Patrícia era linda. Não muito alta, não muito baixa, talvez com um metro e setenta. Seus cabelos loiros e ondulados ressaltavam tão belas feições, faziam de seus lábios e de seu olhar a mais bela tradução do belo. Seu perfume era tão doce e suave quanto o aroma das flores do Eden Garden e para Aírton, principalmente, tudo em volta pareceu ter outra cor. Apenas uma luz brilhava ao centro.

        Betina não gostou muito da menina, olhou-a de cima abaixo e viu que havia uma “concorrente” no pedaço. Mas só mesmo Aírton ficou a admirar sua prima, os demais permaneceram conversando. Eloy insistia em aprender a tocar violão, enquanto Camilo não se convencia de não saber tocar um instrumento que até a pequenina dominava.

        - Como vais, primo? Nas cartas não parece tão tímido.

        - É... bem... vou bem. Agora ainda melhor. Faz tempo, não?

        - No Natal passado...

        - Uma pena. Mas percebi que um feixe de luz ficou por lá e agora sei de onde surgiu.

        - Ora, que gentileza a sua.

        Conversam por mais uns dez minutos; a beleza de Patrícia domina, hipnotiza Aírton. Comem em silêncio, apenas um olhando para o outro e, principalmente, Aírton para a prima, Patrícia para o primo.

        Michelli resolve quebrar o silêncio, perguntando o que pessoas chiques como as do Eden Garden costumam comer. Seu Mário não gosta da colocação, mas os jovens riem.

        - Olhe, menina, não lembro bem, mas jamais jantei tão bem-acompanhado! – diz Camilo para a garota, provocando risos e avermelhando as bochechas de Michelli.

        - Creio que eu também não. – completa Aírton, sem desviar os olhos de Pati.

        Passam-se alguns minutos e, depois de uns goles de refri, Camilo diz:

        - Quero fazer um comunicado aos meus amigos, se o senhor me dá licença? – dirige-se a Mário. – Estávamos começando a ter problemas de dinheiro, mas hoje já consegui cem pila. Cem pila, gente, cem pila! E tenho até planos para amanhã.

        - Qual é a fórmula? – indaga, em tom de brincadeira, Mário.

        - Simples, comprei umas latinhas de refri no super e vendi pelo dobro do preço nas esquinas. Fiz de conta que eu era aleijado. Todo mundo comprava para ajudar!

        Seu Mário pasma. Eloy, Betina e Daniel também. Michelli não entende e continua a brigar com a comida. Aírton e Pati... bem, eles ainda estão há alguns parágrafos atrás.

        - Que foi? Não gostaram? – pergunta Camilo.

        - Digamos que é uma forma pouco ortodoxa de se ganhar dinheiro. – é seu Mário quem diz.

        Camilo repete seu jargão:

        - Eu não sou muito ortodoxo!

        Continuam comendo em silêncio, até que todos cruzam os talheres. Michelli, como de costume, não comeu nada. Daniel também mal tocou na comida, mas pelo menos conseguiu disfarçar duas ou três lágrimas que temperaram seu arroz. Aírton e Pati não saberiam nem mesmo dizer o que havia em seus pratos.

        - Por fim, gurizada, o quadro. Até coloquei enrolado em um pano para fazer suspense. O cartunista que vocês arranjaram é bom barbaridade!

        Todos, até os pombinhos, olham para as mãos de seu Mário, que vagarosamente descobre o quadro.

          - Nossa! – exclamam.

          Aírton, agora, se perde olhando para tão bela caricatura.

          - Pagou a pena! - diz Camilo.

          Eloy não entende bem.

          O quadro era pintado ao fundo de preto e branco, como se uma luz fosse traçando um caminho que dava para o céu. Sobre o fundo havia uma estrela, uma linda estrela dourada, e em cada ponta dessa estrela, o rosto de um dos jovens.

          Bem acima, estava Eloy. Bem próximos, nas duas pontas  de baixo, estavam Daniel e Betina (o que agradou ao garoto). Completavam o quadro fiéis rostos de Aírton, à direita, e Camilo, elegantemente engravatado. Mário faz ainda um comentário, mas eles não ouvem bem, estão atônitos a admirar tão bela obra de arte.

         

          Estão já quase todos dormindo, só no quarto de Aírton a luz do monitor de seu laptop mantém-se acesa. Ele escreve:

          Não posso deixar de escrever minha segunda aventura, minha segunda descoberta! Depois do real significado de vida e pobreza ensinado hoje à tarde por Daniel, agora sei o que é amor! Ó, como é bela aquela minha prima. E como é belo o amor! Como ele, só mesmo o quadro que meu tio nos mostrou. Uma arte, uma arte tão completa quanto as pirâmides do Egito, só menos perfeita do que as formas da Pati, do que o olhar da Pati, do que os lábios delicados da Pati...

          Pensa ainda, antes de desligar de vez o computador: “ Acho que nunca vou publicar tão reles história”.

 

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