Cap. 6. Uma cédula que cai, uma
igreja, uns brutos.
São nove horas e já estão os cinco
acordados para voltar ao tal shopping.
Desta vez, a pé.
Logo que dão alguns passos, os cinco
avistam uma pessoa caminhando na frente deles. Não uma pessoa qualquer , era um
daqueles “queimados”, muito gordo e com um aparelho de som no ombro. Olham com
curiosidade para ele, enquanto Daniel teme o que pode acontecer. Quando o gordo
dobra a esquina, eles vêem uma linda loira caminhando apressadamente à avenida.
Ela para na frente de uma loja e saca alguma da bolsa. Deixa cair um papel. Não
percebe e sai.
Segundos depois, estão os adolescentes
em frente à mesma vitrina e Camilo avista o papel que a moça deixara cair: uma
nota de cinquenta reais!
- Olha só que sorte! – exclama Camilo.
- Devolva a ela, ora! – retruca Daniel.
- Como assim? Fui eu quem achei! –
rebate Camilo.
- Mas você sabe de quem é e ela está ali. – fala Betina.
- Não e não! – já põe no bolso a cédula
enquanto a moça, sentindo falta do dinheiro, volta e pergunta aos jovens que
ainda estão discutindo em frente à mesma loja:
- Vocês, por acaso, não viram uma nota
de cinquenta reais por aqui?
Camilo salta na frente e diz que não,
que estão apenas tentando lembrar como chegar ao shopping, etc. Ela sai. Betina,
pasma, comenta:
- Que feio, mano!
- Como assim?
- É esse o seu jeito nada ortodoxo de
ganhar dinheiro. – diz Aírton.
- Eu já disse que não sou muito
ortodoxo.
Continuam caminhando e passam em frente
a uma construção bonita, com uma cruz em cima.
- É uma igreja! – diz Daniel. – Entrem e
façam três pedidos. Sabem o que é uma igreja?
Não sabiam, o Eden Garden, de religioso,
só tinha o nome. Não ensinavam lá coisas sobre Jesus Cristo, Buda ou Jerusalém,
preferiam dar aulas de Técnicas Comerciais, Mercado Exterior ou Marketing
Total. Daniel se ajoelha no primeiro banco e reza em voz alta:
- Jesus, abençoai estes meus amigos que
sabem vosso nome, não sabem rezar, mas muito precisam de proteção de vosso Pai.
– continua – Pai nosso, que estais no céu... – e termina com um “Amém”.
Betina, enquanto isso, faz seus pedidos.
Sabia apenas o que Daniel ensinara antes de entrarem: devia pedir para Jesus,
que estava no centro do altar. “Olhe só, moço aí pregado na cruz, me dê, por
favor, um pouco de dinheiro para comprar aquela botinha da loja! Se puder
arranjar um gaúcho bem gatão para mim, eu agradeço. E, como são três, acho que
quero que você nos ajude, porque a cidade grande não é tão moleza assim”.
Os outros preferem não pedir nada,
apenas admiram o local. Na saída, perguntam o que Daniel havia feito e este
responde:
- Rezei. Sabem, uma das únicas coisas
que o pobre pode fazer mais que o rico é rezar! Não custa nada e ainda faz bem
pra alma. Quer dizer, tem uns caras hoje em dia cobrando dos fiéis, mas eles
não merecem atenção, são mercenários camuflados. O segredo da reza está na
intensidade, não nas palavras nem nos pedidos. Acreditar no que se pede, no que
se fala e no que se faz é o verdadeiro passaporte para a realização de nossos
sonhos.
De novo nenhum deles não entendeu nada,
mas continuaram caminhando, afinal estavam ali para aprender. E como já tinham
aprendido! Entendiam agora o que era um negro, como era uma cidade grande, o
que era um ventilador, um “sanduba”, até igreja e Jesus eles já conheciam! As
únicas coisas que faltavam eram a tal
de felicidade e o tal de amor que eles tanto desejavam.
É assim com todo mundo, seja ou não um
jovem. As pessoas se rebelam porque querem ser livres, mas quando são, e muitas
vezes já são, sentem-se incompletas porque, na verdade, buscam felicidade, paz,
amor. Como sequer sabem o que é isso, satisfazem-se com as orgias da vida e
bebem e fumam, gastam, brincam...
Ser livre é importante, sim, mas não há
sentimento que seja comparável à felicidade. Poucos são livres a ponto de serem
felizes. Prendem-se, reprimem seus próprios sentimentos e se esquecem de viver
de verdade. Não como dizem nos
manuais de bom comportamento e nos livros religiosos, mas viver com amor,
sabedoria e responsabilidade.
Os cinco continuavam a caminhar e depois
de voltas e voltas, chegaram a um ponto da cidade em que havia uma bela vista,
com uma grande chaminé erguida e o Guaíba ao fundo. Um rapaz se aproxima com
uma Polaroid na mão:
- Querem uma foto?
Camilo ia perguntar o preço, mas Eloy pula
na frente e já grita que quer sim. Posicionam-se abraçados, o Gasômetro e a
cidade ao fundo, a esperança, o sonho e a juventude em seus olhos. Uma piada do
fotógrafo os faz rir e saem bem na foto. Só Betina reclama porque seu cabelo
havia ficado escondido e parecendo curto...
- Muito obrigado, a foto ficou uma
beleza! – diz Aírton, colocando-a no bolso.
Neste dia, as lojas e as vitrinas do shopping não tinham tanta graça, já
conheciam tudo! Pegaram o telefone de mais umas “gatas”, Betina marcou encontro
com um cara, cobraram do cartunista o quadro e este disse que chegaria logo
cedo, no outro dia, lá na casa deles. Comeram as mesmas coisas pelo segundo dia
consecutivo, e resolveram voltar. A pé, de novo, mas sem atalhar.
Daniel não queria, era tarde, era
escuro. Mas não estavam dispostos a gastar com um táxi. Preferiram usar o
dinheiro para alugar um filme, talvez... Voltaram a pé e de noite. Caminhavam
já havia algum tempo, quando o óbvio aconteceu...
Três homens saíram de um bar e cercaram
o grupo. Daniel, sentindo o perigo. Eloy
encarava-os e chamava-os para a briga. Camilo só fazia era pôr a mão no bolso,
a fim de segurar firme o dinheiro. Betina e Aírton tentavam conversar,
achando-se suficientemente espertos para afastar os homens. Um soco de Eloy em
um deles despertou a fúria dos outros que partiram para cima do mais velho. Aírton
tentou ajudar e também foi chutado. Daniel rapidamente pegou Betina pelo braço
e correu desesperadamente para o mais longe possível.
Socos fortes no rosto de Camilo, seus
óculos voam longe, Aírton tenta afastá-los com chutes a meia altura. Eloy trava
uma bela batalha com o mais gordinho. Mas apanham, levam uma surra como jamais
puderam pensar que levariam.
Depois de alguns minutos apareceu uma
viatura policial e os três homens fugiram. Camilo, Eloy e Aírton estavam
ensanguentados. Aírton choramingava. Eloy orgulhava-se de ter acertado umas
porradas no mais barrigudo. Os policiais falaram com eles queriam levá-los a um hospital, ou à delegacia para
que prestassem queixa, mas Aírton convence-os a deixá-lo ali. Camilo, por sua
vez, parecia até contente por não ter deixado que eles pegassem seu dinheiro.
O
que não entendeu Camilo nem Aírton, nem Eloy, talvez apenas Daniel, é que eles
não queriam dinheiro. Estavam completamente embriagados e a vontade deles era
provar para eles mesmos que podiam fazer alguns jovens de bobos. Para
psicologia: jamais estes jovens, que agora sangravam, exaustos, entenderiam.
Também não perceberam que quem os surrou não foi tanto a pobreza nem a fúria, e
sim o álcool.
Chegaram
dez minutos depois de Daniel e Betina. Sentarem-se choramingando. Aírton
parecia descontente e arrependido de ter vindo.
Eloy
foi para o Banho e demonstrava ter gostado da briga. Comentava em voz alta o
soco que desferira no olho do adversário. Camilo fazia as contas. No sofá...
-
Obrigado, Dâni. Posso chamá-lo assim, né? – Betina agora estava a sós com
Daniel e, mais calma, falava mansamente com o amigo.
-
claro, Bê. Mas pelo quê?
-
Ora, a esta hora, se não fosse sua coragem, eu estaria machucada como meus
mano!
Daniel
não quis dizer, mas ela estaria bem, bem pior que seus “mano”.
- É
talvez... Fiz isso para defender tão bela garota – ele se envergonha de ter
dito isso, mas Betina não nota. Eloy sai, molhando todo o chão.
-
Obrigada pela gentileza. Vou tomar banho, até mais.
-
Até mais... Até mais.
“Ela falou comigo, eu não sou tão mal
assim. Ela disse até obrigado!” A essa altura, Daniel já estava completamente
apaixonado. Coitado...
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